Gasto do dinheiro público: Sociedade Cível x Poder Público e o caso do Teatro Paulo Roberto Lisboa
@ Fernando Silva de Ávila
Depois de algum tempo como participante do coletivo cultural “Galpão da Lua” (instituição cultural sem fins lucrativos) e do grupo “Rosa dos Ventos” (instituição cultural com fins lucrativos) que prestam serviços para as três esferas do poder público (Municípios, Estados e União), surgiu-me a vontade de fazer uma comparação rasa entre a severa fiscalização realizada sobre as ações realizadas pela sociedade e aquela exercida pelo Tribunal de Contas da União (TCE) sobre o gasto do dinheiro público pelo próprio Poder Público Municipal.
Neste texto pretendo apenas demonstrar que existem irregularidades e um aparente desrespeito ético com a sociedade. Para isso, usarei como exemplo a rigorosidade encontrada nas contratações que buscamos juntamente a estas instituições públicas, em contraste com a licitação e o contrato para a prestação de serviços técnicos de reforma e adaptação do Teatro Paulo Roberto Lisboa (Sistema de Tratamento Acústico, Cenotecnia, áudio e vídeo – teatro) realizado entre a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente e a TMV Engenharia e Construções Ltda. (Contrato celebrado em 09-02-12. Valor – R$2.208.229,63).
Um primeiro ponto para se refletir, diz respeito às grandes exigências colocadas perante a sociedade cívil para que se firme um contrato com o poder público. Inicialmente, uma equipe técnica analisa sua lista de documentação (RG, CPF, CNPJ, contrato social ou estatuto), para em seguida uma comissão “independente”, criada pelo próprio poder público e composta muitas vezes de maneira paritária (poder público x profissionais independentes com notório saber), julgar sua “qualidade artística/cultural”. Desta forma, questionam a relevância da proposta, sua originalidade, singularidade, além do currículo do artista e do grupo/equipe principal e o histórico da atividade proposta. Assim, depois de uma incrível sabatina sobre o mérito artístico-cultural, percebe-se que além de questões práticas muita subjetividade é avaliada.
Avaliações estas para contratações de espetáculos com valores, para o nosso caso, de no máximo R$15.000,00 (Quinze mil reais), ou projetos mais amplos (cronogramas maiores e mais atividades) com valores até R$100.000,00 (Cem mil Reais).
Assim, além da comprovação de atividades culturais por mais de dois anos, segue-se comumente uma lista de pedidos como:
- Projeto técnico com resumo, apresentação, objetivo, justificativa e orçamento detalhado;
- Cronograma de ações com relatórios mensais;
- Cadastros de proponente e de ações em sites de mapeamentos culturais para rastreamento dos mesmos (Base de Dados RAC interligados entre municípios, Estados e União);
- Plano de Acessibilidade, no caso do MINC com Instrução Normativa específica (n.º 01/2013);
- Plano de Divulgação;
- Plano de Ações de Formações; (Em muitos casos isso é posto como uma atividade que deverá ser oferecida gratuitamente pelo grupo como uma contrapartida social);
- Anuência (permissão) dos locais onde ocorrerão as atividades;
- Clipping (matérias de jornais, fotos e demais materiais falando que somos lindos e cheirosos);
- Mapa de palco com descrição de som, luz e cenário
- Riders técnicos (que são as necessidade de som e iluminação).
- Diversas certidões e declarações:
- Declaração do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS);
- Certidão de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União;
- Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS – CRF;
- Certidão negativa relativa a débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho através da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT.
Detalhe: o preço do seu trabalho, na maioria das vezes, já é ditado no edital sem que saibam de suas reais necessidades ou o quanto vale o seu trabalho. Qualquer item desrespeitando o contrato, o mesmo é cancelado.
Isso são documentos necessários para a contratação e na prestação de contas, ao final do projeto, a sabatina ainda é grande e qualquer erro é obrigação devolver o dinheiro que não foi justificado de maneira razoável.
Agora, para contrapor as dificuldades que nós encontramos para um contrato com o poder público, vejamos o caso da reforma do Teatro Paulo Roberto Lisboa.
Durante a licitação duas empresas concorreram, mas uma foi considerada inabilitada por falta da certidão negativa de pedido de falência ou concordata ou de execução patrimonial. Não houve interposição de recurso por parte da licitante, mesmo sendo uma certidão de fácil obtenção, estranho… Porém, “Queimando a largada” também se percebe que houve irregularidades que foram condenadas pelo TCE. Entre elas, destacam-se: (1) a falta de parâmetro sobre os preços praticados no mercado, o que leva a não comprovação da economicidade e vantajosidade do ajuste; (2) a obrigatoriedade colocada pelo edital de se realizar uma visita técnica por um engenheiro ou arquiteto da própria empresa licitante; e (3) a necessidade de comprovação de aptidão em atividade específica através de um único atestado.
Com relação à formação técnica do profissional que realiza a visita técnica, não cabe a Administração disciplinar este aspecto, pois se trata “de interesse exclusivo das participantes dos certames, que devem enviar os profissionais se sua equipe que melhor possam estimar os aspectos técnicos e os custos da proposta que será efetuada”, conforme argumenta o TCE. Isso porque conhecer os locais que serão executados serviços ou obras é ônus da empresa interessada, que deve levantar suas próprias necessidades.
Quanto à exigência de comprovação de experiência anterior por meio de um único atestado, afronta a legislação em regência, pois o § 1º, do artigo 30, da Lei nº 8666/93 não estabelece limitação máxima ou mínima ao número de atestados.
No entanto, o pior de tudo foi não haver a indicação da fonte utilizada para a elaboração do orçamento ou da pesquisa de preços hábeis para mostrar a “compatibilidade dos preços com os praticados no mercado”. Muito embora a prefeitura tenha afirmado que buscou a proposta mais vantajosa, e que a pesquisa mercadológica foi adequadamente elaborada, refletindo a realidade do mercado, o TCE não se convenceu.
E assim o TCE procede em 10/06/2014:
“Os vícios apontados na instrução comprometem a totalidade dos atos praticados.
A falta de parâmetro sobre os preços praticados no mercado e a não comprovação da economicidade e vantajosidade do ajuste são falhas graves, especialmente no caso, em que não houve uma real concorrência de preços, já que o objeto foi adjudicado à única proposta comercial obtida.”
Frente a tantos erros que afrontam a Lei 8666/93 e a própria Constituição Federal (artigo 37, caput e inciso XXI) foi aplicada uma pífia multa ao ex-prefeito, com base na Lei Complementar nº 709/93, no valor correspondente a 160 (cento e sessenta) UFESPs, ou seja, R$4.011,60 e débito da multa para inscrição na dívida ativa, visando à posterior cobrança judicial caso não fosse pago. Ressalto que este é o valor mínimo da multa, conforme atesta o próprio TCE.
Ainda assim a prefeitura entrou com recurso sobre a decisão da Primeira Câmara, entretanto, a decisão no Tribunal Pleno, em sessão de 07/12/2016, permaneceu a mesma, pois os argumentos colocados não foram convincentes.
Desta forma, usa-se de maneira obtusa R$2.208.229,63 e paga-se multa de R$4.011,20. Assim fica fácil. Uma pena e um desrespeito ao dinheiro público.